quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

GILBERTO DIMENSTEIN - MENINAS DA NOITE

01. DADOS BIOGRÁFICOS
Nascido em 28 de agosto de 1956, em São Paulo, Gilberto Dimenstein, articulista da Folha de São Paulo, é reconhecido como um dos principais jornalistas investigativos do país. Autor de reportagens de repercussão nacional e internacional ganhou vários prêmios de jornalismo nos últimos anos, entre eles dois prêmios Esso e dois prêmios Libero Badaró de Imprensa. Suas reportagens transformaram-se em livros de sucesso, "Meninas da Noite"; "A República dos Padrinhos" e "Conexão Cabo Frio", além de "O Complô que elegeu Tancredo", este realizado com outros jornalistas. Dimenstein iniciou sua carreira em 1977, na revista Shalon e, até ir para a Folha, passou pelo O Globo, Jornal do Brasil, Correio Brasiliense e revistas Veja e Visão.

02. CARACTERÍSTICAS DA OBRA
O jornalista Gilberto Dimenstein, durante seis meses, investigou a rota do tráfico de meninas na Amazônia, viajando pelo submundo da prostituição infantil. Esse inquérito tece como resultado o livro "Meninas da Noite". E tem um subtítulo bem apropriado ao tema: "A prostituição de meninas-escravas no Brasil".
Com bastante propriedade, o autor usa a expressão meninas-escravas, visto que se trata de um mercado de gente. O que acontece nesse submundo da sociedade é tão-somente uma caricatura do que acontece em todos os outros planos: a mercantilização humana. Absolutamente tudo tem seu preço hoje em dia, inclusive seres humanos.
O livro de Dimenstein explica os motivos da prostituição. Como não se trata de um livro científico, e sim de um livro de relatos apresentados de uma forma jornalística, não há uma seção do texto que se pode chamar de “Causas e motivos da prostituição". Esses motivos não são elevados de forma sistemática, mas soltas ao longo de todo o livro. Abaixo alguns trechos que tentam explicar as várias causas da prostituição:
"A recessão jogou suas filhas na rua”.
"Mais uma causa da prostituição: a garota se entrega ao mercado. A família não aceita, ela vai embora. Sem qualificação, só lhe resta vender o corpo".
"Para elas, (a rua) é um ambiente mais familiar e por incrível que pereça mais aconchegante que do que a própria casa.”
“... as meninas índias, que na tribo nunca conheceram a surra, o estupro, doenças venéreas e, muito menos, a prostituição. São todas doenças do homem branco."
"... a menina índia vem para a cidade. Não tem estudo e, se não consegue trabalhar como doméstica está no caminho da zona de prostituição”.
“Seu padrasto bebia muito e muito. Quando se embebedava tornava-se
violento. Tentava transar com a filha adotiva. Ela saiu de casa e (...) virou escrava (...) não consegui mais abandonar a prostituição”.
"Uma das senhoras daquele bairro queria reformar a casa (...) para conseguir os recursos a virgindade de suas filhas foi vendida a peso de ouro.”
Há um condicionamento econômico que pode aumentar a propensão da marginalidade infantil. O menino de rua, com o desajuste familiar ou desassistido econômica e efetivamente busca sobreviver para a violência, roubo ou o delito. A menina, sob essas mesmas condições, segue o caminho da
prostituição. Todavia, viram-se trechos transcritos do livro que não é necessário recorrer ao lugar-comum e achar que as causas da prostituição infantil são, tão-somente, econômicas. Há também aspectos psicológicos e sócios envolvidos na questão.

03. RESUMO DA OBRA.
Durante 6 meses, Gilberto Dimenstein investigou a rota do tráfico de meninas na Amazônia, viajando pelo submundo da prostituição infantil. Cada passo da investigação é relatado com detalhes, mostrando como é a vida dessas meninas e um pouco de sua história, e como foi possível encontrar traficantes e um cativeiro de meninas-escravas protegidos pela selva amazônica.
BELÉM
Em Belém, o jornalista encontra-se com Maria de Lurdes Araújo Barreto, 49 anos. Prostituta desde os 16 anos, depois de ser estuprada pelo filho do patrão. Tem 4 filhos e 2 netos. Maria de Lurdes dirige o Grupo de Mulheres Prostitutas da Área Central (Gempac). Ela o auxilia na rota que deverá seguir para encontrar os cativeiros das meninas-escravas e em como se aproximar delas para conseguir as entrevistas.

IMPERATRIZ
Em Imperatriz, visita a Casa da Dalva, lugar que recebe a elite local, onde se fazem leilões de meninas virgens. Nessa cidade, descobre que as meninas se entregam à prostituição na esperança de se casar: “Estou aqui procurando marido. Muitas meninas e mulheres viram gente de sociedade, conhecendo seus maridos no puteiro. Tenho esperança.”
É também apresentado à Francisca Ferreira (Chica Bagaço), prostituta que desenvolve trabalho educacional com filhas de meretrizes há 17 anos. Chica Bagaço o leva à periferia e lhe apresenta Ana Paula Ferreira da Silva, 13 anos, grávida, prostituída pela mãe adotiva, que é dona de bordel. Chica também conta a história de Adriana Pereira Lima que mora em seu prostíbulo, “a família não aceitou a perda da virgindade com o namorado e ela foi expulsa. Sem estudos, só lhe restou vender o corpo”.

LARANJAL DO JARI – Beiradão
Janaína Patrícia Pereira, 14 anos, serviu de guia em Laranjal do Jarí. É prostituta a vários anos e não sabe onde estão seus pais. Apresenta Luciene Cavalcanti dos Santos, 15 anos, que foi trabalhar na boate atraída por uma oferta de emprego como faxineira. Também Luíza Ribeiro Soares foi atraída com promessas de emprego como cozinheira. Conseguiu sair da boate por que um namorado, que a queria em casa, pagou sua dívida.
Ainda em Laranjal, entrevista Elaine dos Santos, 15 anos, que é aliciadora de meninas-escravas. Diz que não está arrependida e acha que essas meninas são trouxas. Uma das meninas aliciadas por ela é a própria irmã, Miriam dos Santos, que conseguiu fugir com a ajuda de um padre. Ana Meire Lima da Silva conta que, se não dormisse com homens, ficava sem comida, trancada no quarto e ainda tinha que pagar aluguel. Já Cláudia Amaral, 13 anos, não quer sair da boate porque adora dançar e conhecer pessoas novas. Durante o dia trabalha como babá, mas prefere a boate.

MANAUS
Maria Sanchez, 15 anos, está nas ruas de Manaus desde os 8 anos de idade. Teve um filho e sua mãe, antes de morrer, deu o menino. Durante a entrevista chora muito porque não sabe onde começar a procurá-lo. Sem pai, sua única irmã, Socorro Sanchez, 13 anos, lhe faz companhia nas ruas. Ela diz que cansou de levar calote por isso cobra adiantado.
Junto com elas está Edvalda Pereira da Silva, 11 anos, diz saber o que é camisinha mas não usa porque não acredita “que se não usar dá uma tal de Aids”. Sua mãe trabalha no meretrício e não se importa com suas transas. Ela se acha igual às outras meninas que fazem programa, levanta a camiseta e brincando diz que tem apenas uma diferença: “Eu ainda não tenho peito.”
Outra de suas amigas é Francineide Cavalcanti,14 anos, que saiu de casa por causa do padrasto que tentou violentá-la e a mãe foi passiva. Sem ter onde trabalhar, começou a vender o corpo.

PORTO VELHO
Em Porto Velho se destaca, além do tráfico de meninas-escravas, o tráfico de drogas, por ser próximo à Bolívia. As meninas são usadas como “formiguinhas”, que entregam as drogas para proteger o cafetão, que garante o seu vício.

RIO BRANCO
Raimunda, mãe de Maria Luíza, 12 anos, conta que ao chegar a casa e não encontrar a filha, pediu ajuda às vizinhas. Uma delas advertiu ter ouvido a conversa de que um homem a levaria para Porto Velho. Foi à delegacia e os policiais a encontraram quase atravessando o rio. A menina acreditava que só ia passear.
Em Rio Branco, o principal foco da prostituição são as meninas índias, que se vendem por cachaça, roupas, comida. Os “marreteiros”, comerciantes que viajam de barcos, sempre levam cachaça na bagagem e trocam por sexo. O ex-cacique Raiaou confessa que um deles pediu para dormir com sua filha: negócio feito por 12 garrafas. Diz que só não gostou quando pediram sua mulher. Outro fato comum são as curras, como conta o índio tucano Gabriel Gentil: “Eu vi com meus olhos como uma mocinha chamada Larita, de 18 anos de idade, foi agarrada por 11 recrutas brancos do Exército. Eu os vi trepando em cima dela e se satisfazendo no corpo da moça durante a noite: desde às 8hs até as 3hs da madrugada.” O coronel defende seus soldados dizendo ser as índias que tentam estuprá-los quando elas estão no cio.

CUIABÁ
Em Cuiabá, o jornalista entrevista várias meninas na Praça do Porto. A maior preocupação dessas meninas é o medo de se apaixonarem.
Rosinete Miranda Pereira, 13 anos, fugiu da boate por causa da violência. Ela conta que ganhou várias vezes a “aposta do peitinho”. Um jogo onde as meninas levantam a blusa para que os seios passem por um exame meticuloso, por parte dos jogadores, que apostam naquela que tem os seios mais rijos. Diz que havia torneios mais incômodos: “Eles apostavam quem conseguia transar mais tempo sem sair de cima da gente”. Ela ficou irritada com a acusação de que as meninas da Praça do Porto tinham Aids: agora só anda com um certificado médico no bolso.
Cleuza Santos de Jesus, 17 anos, saiu de casa porque o padrasto quando bebia, além de bater, queria seu corpo. Nas ruas engravidou, deu o filho e ignora seu paradeiro: “Só sei que deve estar vivendo muito melhor com outros do que estaria comigo.”
Cacilda Duarte, 16 anos, conta que já tentou trabalhar, mas não consegue ficar muito tempo num emprego. Acredita que é por causa das tatuagens que possui no corpo. Seu namorado, preso por tráfico de entorpecentes, não sabe como e quando vai sair da prisão, e parte dos rendimentos de Cacilda na rua é transferida pra ele.
Dora, 14 anos, estava grávida de 6 meses quando a polícia invadiu o garimpo e espancou todos, inclusive ela, fazendo com que perdesse o bebê. Amigada com um japonês, não sabia que ele era traficante, por isso vive mudando de cidade com medo de que a polícia a pegue. Costuma dizer que “dinheiro não mão, calcinha no chão.”
Jociane Silva dos Santos, 9 anos, está sozinha, seus pais estão mortos. Circula pela praça com outras meninas, que estão a ensinando a “cair na vida”. Para ela, Aids é uma doença que vem da água.

ALTA FORESTA
Maria Aparecida da Silva, ao completar 11 anos, vendeu sua virgindade por uma boneca que não ganhou. Enganada 2 vezes com a mesma promessa, abandonada e deprimida, acabou numa creche. Foi adotada e hoje está bem.
Quando tinha 9 anos, Tatiane Cristina de Sousa foi estuprada. Por causa da virgindade perdida, ela tornou-se motivo de aposta numa boate. Dois rapazes duvidaram quando uma amiga lhes disse que aquela garotinha com cara de anjo e cabelos encaracolados não era mais virgem. Após ser devidamente embebedada, eles esclareceram a dúvida no banheiro da boate.
Luciana Fátima Pinheiro, revoltada com o fato de a mãe levar homens pra casa, resolveu fugir. Para sobreviver, foi obrigada a fazer aquilo que condenava na mãe, até encontrar uma creche. Nunca mais se prostituiu.
Ivonete Dias dos Santos trabalhava na cozinha de uma boate, cuja dona a convenceu das vantagens de vender o corpo. Sua virgindade foi anunciada como a atração da noite. Embebedou-se e foi levada para o quarto. Só se lembrou do que aconteceu quando, ao acordar, viu uma mancha de sangue no lençol.

ITAITUBA
Márcia e Vanessa foram enganadas e acabaram no garimpo, de onde não podiam fugir. Durante a entrevista, Vanessa chorou diversas vezes e pediu ajuda para fugir. Inexperiente, Márcia já engravidou 3 vezes e se submeteu a abortos precários.
Edna contraiu malária, doença comum na região. Ela fica doente e os remédios aumentam ainda mais a sua dívida, torna-se mais difícil ir embora. Teve dificuldades de dar a entrevista por causa da febre e das dores no corpo.
Mariana dos Santos Veras, 15 anos, conseguiu fugir e foi à delegacia. No seu depoimento diz que tinham que dormir com vários homens por noite e quando não obedeciam, apanhavam. Outras meninas que conseguiram fugir porque os garimpeiros se apiedaram delas (Raimunda, 14 anos; Zara e Jane, 16 anos; Poliana, 17 anos) dizem que “na boate é normal matarem e espancarem as mulheres”.
Maria Domingas Rabelo Frazão foi convidada a trabalhar numa lanchonete na região do garimpo. Acabou aprisionada numa boate transformada em cativeiro. Era forçada a ter relações sexuais várias vezes por noite. Ela fugiu embrenhando-se na selva.
Vileni Reis de Almeida havia acabado de chegar de uma boate, desde os 13 anos faz programas. Ficou lá por vários meses e não conseguiu pagar a dívida. Considera-se uma felizarda porque os donos da boate a deixaram ir embora.

CUIÚ-CUIÚ
Uma cidade com apenas 2 ruas, onde moram 510 habitantes (dos quais 72 são meninas e mulheres prostitutas), possui 32 boates na cidade. A polícia local recebe contribuições das boates pela “proteção”. O jornalista não pode revelar o verdadeiro motivo da visita, diz que seu interesse eram as condições de saúde dos habitantes. Conversa com várias meninas-escravas. Muitas delas estava com malária.
De volta a Brasília, o jornalista prepara uma série de reportagens sobre a prostituição, tráfico e escravidão de meninas, que são publicadas na Folha de São Paulo e que ganham repercussão mundial. Com isso a Polícia Federal invade Cuiú-Cuiú, prende os cafetões e traficantes e leva 55 prostitutas.

04. ANÁLISES CRÍTICAS.
Cobertura de prostituição infantil pela mídia é sensacionalista
"Mirian não estava entendendo nada. Há três dias viajava pelo rio em busca de um emprego prometido pela irmã. Mas no porto foi recebida pelo dono uma boate. (...) Teve que amargar um mês até se libertar e ir embora da cidade". Esta é uma das meninas personagens do livro Meninas da Noite, do jornalista Gilberto Dimenstein, fruto de uma série de reportagens sobre prostituição de meninas-escravas, publicadas no jornal Folha de S. Paulo, em 1992. É justamente a cobertura de prostituição infantil feita pela Folha, entre 1985 e 1995, que o psicólogo Leandro Feitosa Andrade analisa no livro Prostituição infanto-juvenil na mídia: estigmatização e ideologia, recém-lançado pela EDUC, editora da PUC-SP com apoio da Fapesp. Na obra, Andrade questiona as campanhas em prol da infância empreendidas pela mídia, verifica como as crianças são tratadas nestas campanhas e qual o impacto delas na vida das crianças.
O autor constatou que a cobertura teve cunho sensacionalista, do tipo policial, já que o discurso jornalístico estigmatizou crianças e adolescentes pobres. "Quando o jornal recorta o tema da 'menina/adolescente prostituta' como atributo da pobreza, o estigma contra a pobreza é reavivado. O tratamento dado ao tema da prostituição infantil assume a conformação de uma campanha moral da empresa, sustentando relações de dominação dos não pobres sobre os pobres", explica Andrade.
Para o autor, apenas três elementos foram considerados nas matérias sobre prostituição infantil: a menina/adolescente, o aliciador e a família, todos vindos de um cenário de extrema pobreza. "O objeto da ação policial dirige-se ao aliciador, mas não ao cliente que compra, paga, usa e abusa sexualmente de menores. Ele é uma figura que quase nunca presente", diz o psicólogo.
Para ele, a cobertura faz uma simplificação do fenômeno, dando um tratamento excludente dos pobres e da pobreza. "Perde-se em conhecimento, não só pelas especificidades de vida que levam meninas e adolescentes, pobres ou não, a se prostituírem, mas, sobretudo, as determinações sociais, éticas e psicológicas que levam adultos a elegerem parceiros sexuais não adultos e a se comprazerem do assim chamado pornô-turismo", conclui.
Andrade acredita que a relação de dominação dos "não pobres" sobre os pobres é encoberta. Ele lembra um exemplo recente desta receita de jornalismo, no caso ocorrido na cidade de Porto Ferreira, interior de São Paulo, onde seis vereadores foram condenados por conta do agenciamento de adolescentes. "Falou-se muito da história das adolescentes e de suas famílias e pouco sobre os vereadores e demais envolvidos no esquema de aliciamento", diz.
Ao veicular as reportagens, o jornal, um importante ator social que contribui para a mobilização para implementação de políticas estatais, motivou a incorporação da “erradicação da prostituição infanto-juvenil na agenda de políticas públicas para a pobreza”. De acordo com Andrade, este movimento pode gerar equívocos na elaboração de planos governamentais para crianças e adolescentes pobres no país, por exemplo, ao optar pela generalização de acreditar que toda menina pobre é ou vai ser prostituta.
O pesquisador lembra que o jornal é uma empresa pautada pelas exigências do mercado, e ao mesmo tempo em que se coloca como porta-voz das questões sociais, pode ocorrer o uso mercantil de problemas sociais. A Folha, de acordo com o levantamento do pesquisador, veiculou esse tipo de reportagem em dias considerados nobres (como os domingos), ocupando a primeira página do jornal e destacando as meninas e adolescentes identificadas como prostitutas.
Para controlar o impacto de peças jornalísticas sobre as condições de vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, Andrade propõe um código de ética para orientar a mídia. Evitar a veiculação de matérias que reforcem o prognóstico de um destino inexorável para crianças e adolescentes em condições de vulnerabilidade; preservar a dignidade, a privacidade e a integridade física dos atores envolvidos na peça jornalística são alguns princípios defendidos pelo psicólogo para impedir a estigmatização de crianças e adolescentes na mídia.

Escravidão no Século 20 (Iale Clitias)
“A miséria jogou as meninas para as ruas. Elas não têm nada para vender. Não sabem ler, cozinhar, escrever. Só podem vender o único bem que possuem: o corpo”.
Gilberto Dimenstein
Um assunto que sempre vai trazer indignação e preocupação nacional é a prostituição infanto-juvenil. Especialistas são unânimes em afirmar que por trás de toda “prostituta-mirim”, há uma história de degradação familiar. Infelizmente, a família é o principal estímulo para este tipo de exploração, obrigando à criança ir pra rua e trazer uma determinada quantia para casa. Com medo da reação dos pais, que geralmente é violenta, acabam vendendo o próprio corpo por mixaria. Por ser um dinheiro “fácil” se tornam desde cedo “escravas sexuais”.
Foi o alarmante número de casos de exploração infantil que várias entidades do estado do Pará, entre elas o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, organizaram um dossiê chamado Crianças da Amazônia, que demonstrava a existência de centenas de meninas em prostituição escrava em vários garimpos da região norte.
A divulgação desse material chamou a atenção do jornalista Gilberto Dimenstein, que recebeu uma bolsa de estudos da MacArthur Foundation para investigar a violência e prostituição da criança na Amazônia nos anos 1991 e 1992, resultando em uma série de reportagens para a Folha de S. Paulo intitulada Meninas da Noite. Um trabalho amplo que durou um ano entre planejamento, investigação e publicação das matérias.
Dimesntein viajou por seis meses pelo Norte e Nordeste do Brasil, procurando lugares onde meninas eram escravizadas sexualmente ou quase mantidas em cativeiro. Em Cuiú-Cuiú, um vilarejo na Amazônia, meninas foram fotografadas nos cativeiros, os nomes dos cafetões apresentados, os locais que viviam e seus responsáveis foram filmados. Lá mesmo, uma das senhoras queria reformar a casa e para conseguir recursos, a “virgindade” de suas filhas foi vendida a peso de ouro!
Gilberto afirma que esta reportagem teve um efeito importante: ajudou a acordar o país para a situação da infância que é uma coisa decisiva para qualquer país. Mas não foi só o Brasil que abriu os olhos. Todo o material produzido, livro e filmagens, rodou o mundo atraindo as atenções para o País no problema da prostituição infantil, chegando a gerar um documentário no programa Turning Point da rede ABC em agosto de 1994.
Apesar do jornalista ter recebido muitos elogios pela realização desse trabalho, o pesquisador Leandro Feitosa Andrade, que escreveu sua tese de doutorado em Psicologia Social em cima da obra de Dimenstein, afirma que “houve estigmatização dos pobres e das adolescentes retratadas na série de reportagem (...) foi colocado esse tema sem se preocupar com a exposição de rostos e dos nomes das adolescentes, dos locais, dos preços do programa...”.
Diante da grande repercussão dos artigos e da mobilização de organizações não-governamentais, as autoridades do país viram-se pressionadas a se posicionar frente à prostituição envolvendo crianças e adolescentes. Em resposta, o Congresso Nacional criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em 1993 para apurar responsabilidades pela exploração e prostituição infanto-juvenil. Mesmo assim, com a CPI da prostituição infantil como ficou conhecida, a Justiça Federal empurrou o caso. Os oito criminosos denunciados que traficavam crianças não foram nem indiciados pelo Ministério Público. Simplesmente caiu no “esquecimento”, tanto da população quanto da mídia.
É aí que a imprensa “peca”. Do mesmo jeito que bombardeia assuntos importantes para o desenvolvimento da Nação, deveriam cobrar das autoridades as providências cabíveis. Para Gilberto Dimenstein o objetivo da reportagem foi alcançado: “chamar atenção para um tema que não era discutido no país”.
Hoje, 13 anos após a denúncia, ainda existem pelo Brasil a fora milhares de crianças que são exploradas sexualmente e que vivem nesse submundo da noite, ou como o autor descreve “escravas sexuais”. Grandes reportagens como esta, são feitas para que haja um avanço na sociedade, e quem sabe um dia o Brasil saia do 74º lugar em se tratando de qualidade de vida.

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